Jornal do Concelho de Seia e Região
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“Cada vez que deixamos a nossa terra, é como se fôssemos arrancados de uma parte do nosso ser. Não há lugar como o nosso lar, independentemente dos mundos que conheçamos; existe uma ligação umbilical impossível de romper.”

Vem a Seia uma a duas vezes por ano e o que mais destaca “é a resiliência de alguns senenses – essa capacidade de, mesmo tendo oportunidades noutros destinos, escolherem permanecer e lutar pelo concelho.” E acrescenta que “Seia precisa de líderes com visão, com coragem para fazer diferente e com vontade de transformar este potencial em realidade. Porque a matéria-prima está cá – só falta trabalhá-la com a intensidade e a inteligência que merece.”

António João Ferrão (AJF): Sou senense, nascido em Seia em 1974, sob os cuidados do renomado Dr. Guilherme, cuja dedicação ao bem público ainda ecoa na memória dos mais antigos; e, como Seia clama por figuras carismáticas como a dele, se eu nascesse hoje, provavelmente seria num hospital da Guarda, Viseu ou Coimbra – contudo, tenho orgulho de pertencer a uma geração que pode afirmar com convicção e orgulho: sou senense de gema.

AJF: Em 2012, decidi embarcar nesta aventura. Antes disso, graças à presença de familiares que já residiam e trabalhavam aqui, tive a oportunidade de visitar o território e mergulhar no encanto único da região. Ao chegar à Ásia pela primeira vez, o impacto inicial é marcado pelos cheiros e pela humidade – a princípio estranhos, mas que logo se entranham. Nessas visitas, pude sentir a magia das metrópoles vibrantes, a sofisticação da tecnologia de ponta e experimentar os sabores exóticos de uma cozinha que, à primeira vista, me era totalmente inédita. Foi, numa dessas viagens, de forma surpreendentemente improvável, que reencontrei um professor da faculdade, que me convidou para lecionar numa universidade local – convite que aceitei no verão de 2012, dando início a uma aventura transformadora e repleta de descobertas.

AJF: Já se passaram 13 anos nesta terra cheia de contrastes, onde aprendi a amar cada detalhe. Em Macau, a convivência entre modernidade e tradição cria um estilo de vida singular – um ambiente urbano dinâmico, onde o luxo dos grandes casinos e hotéis se contrapõe à portugalidade presente na arquitetura, nos becos que evocam os bairros típicos de Lisboa e nas placas com nomes de ruas ainda em português.

AJF: A minha formação académica é em Engenharia Informática. Atualmente desempenho funções de liderança no departamento de informática de uma empresa em Macau, com forte incidência em projetos no setor dos casinos, e, paralelamente, transmito a minha experiência enquanto docente, ministrando disciplinas de informática e governação digital numa universidade de Macau.

AJF: Não, a integração não foi particularmente difícil, sobretudo graças ao apoio dos meus compatriotas, tanto no âmbito pessoal como profissional. Naturalmente, integrar-me com a comunidade portuguesa ocorreu de forma fluida, enquanto a adaptação à comunidade chinesa impôs desafios – principalmente devido às barreiras linguísticas e às diferenças culturais. Esses obstáculos, contudo, enriquecem a experiência de viver no outro lado do mundo.

AJF: Infelizmente, cada vez menos portugueses permanecem em Macau. A pandemia impulsionou a saída de muitos e as restritas condições para obter o cartão de residente têm contribuído para essa diminuição. Atualmente, a residência só se consegue mediante contrato de trabalho que cumpra rigorosos requisitos impostos pelo governo, que define as áreas com carência de recursos e permite a contratação apenas de estrangeiros considerados verdadeiras mais-valias para essas vagas. Embora os salários sejam mais atrativos, o elevado custo de vida e as exigências para o visto de trabalho dificultam a captação de mais portugueses para o mercado de trabalho em Macau.

AJF: Apesar da transferência da administração para a China há 25 anos, o legado português em Macau permanece vivo. A arquitetura e a gastronomia são evidentes: o Centro Histórico, inscrito na lista do Património Mundial da UNESCO, é uma das provas mais marcantes desse passado. Além disso, o sistema jurídico de Macau, estruturado a partir do modelo português, reflete claramente a influência de tempos passados, sendo visível na organização dos tribunais e nos procedimentos legais que ainda vigem. Quanto à língua, ela poderia ter sido a marca de maior impacto, mas Portugal sempre adotou uma visão predominantemente económica em vez de histórica ou geopolítica sobre Macau – uma atitude que, lamentavelmente, ainda se nota hoje.

AJF: A língua portuguesa, infelizmente, tem-se tornado cada vez menos presente em Macau. Fora da comunidade portuguesa – e dos macaenses (mais velhos) – é raro ouvir o nosso idioma a ecoar nas ruas ou estabelecimentos, sendo praticamente inexistente e de utilidade no setor privado, embora continue a ser uma das línguas oficiais do território.

AJF: Sim, tenho dois filhos, o Gabriel de 7 anos e o Vicente de 4 anos.

AJF: Ambos falam português e inglês fluentemente. Frequentam escolas de matriz portuguesa, onde também têm aulas de mandarim – o mais velho, por exemplo, está no primeiro ciclo da Escola Portuguesa de Macau. Contudo, como em casa não usamos o mandarim, a fluência nessa língua ainda representa um desafio para eles.

AJF: Eles nasceram aqui em Macau. Para eles, esta terra é o seu lar e a adaptação foi, por si só, natural.

AJF: Gosto de desfrutar das coisas simples: recebo amigos em casa, adoro cozinhar (dizem que herdei a paixão pela cozinha do meu pai) e aprecio longos serões à volta da mesa, um hábito que, com toda a certeza, vem das minhas raízes serranas e da calorosa tradição de bem receber, tão característica das gentes de Seia.

Além disso, vivendo em Macau, aproveito sempre que posso para aventurar-me pela China continental ou por Hong Kong, onde cada visita se revela repleta de descobertas surpreendentes. Para se ter uma ideia, nas proximidades de Macau encontram-se cidades como Zhuhai, com cerca de 2 milhões de habitantes; Cantão, com 15 milhões e Shenzhen, com 17 milhões, que se destaca como uma das cidades mais evoluídas do mundo, símbolo de inovação e dinamismo urbano. Por outro lado, destinos como a Tailândia, as Filipinas, Camboja ou o Vietname estão a apenas 2 a 4 horas de voo, permitindo-nos explorar lugares que, na minha juventude, eram tangíveis apenas no universo dos sonhos.

AJF: Sempre que me fazem essa pergunta, lembro-me da canção “Para os Braços da Minha Mãe”, de Pedro Abrunhosa. Cada vez que deixamos a nossa terra, é como se fôssemos arrancados de uma parte do nosso ser. Não há lugar como o nosso lar, independentemente dos mundos que conheçamos; existe uma ligação umbilical impossível de romper. Acredito que qualquer emigrante, onde quer que se encontre, compartilha desse sentimento profundo.

AJF: Falta-me, sobretudo, a proximidade da família e daqueles amigos da meninice, que, por mais mundo que percorramos e pessoas que conheçamos, permanecem sempre connosco, como se, mesmo distantes, continuassem a crescer ao nosso lado.

E depois, sinto falta de tudo o que a nossa serra e as nossas gentes nos proporcionam: da gastronomia, das paisagens deslumbrantes, do ar puro e da água fresca e natural. Recordo com carinho os convívios espontâneos, as gentes acolhedoras das aldeias e até aquelas noites em que se terminava numa garagem desconhecida, a saborear uma chouriça assada, acompanhada de um copo de vinho servido diretamente da pipa. – Momentos simples, mas profundamente enriquecedores e que nos ficam gravados na memória para todo o sempre.

AJF: Infelizmente, não tantas vezes quanto gostaria. A distância e os compromissos profissionais limitam as visitas a, no máximo, uma ou duas vezes por ano.

AJF: Saí de Seia com 18 anos, numa época em que a cidade fervilhava de vida e juventude. O que mais me surpreende, e respondendo à sua pergunta, é que, sempre que regresso ao longo destes 33 anos, a sensação é a de uma autêntica viagem ao passado. Nota-se muito pouca mudança, como se o tempo tivesse congelado num daqueles momentos de vídeo em que tudo está em movimento e, de repente, todos ficam imóveis, suspensos no tempo. Uma estagnação difícil de compreender. Mas o pior é que aquilo que, de facto, mudou, parece ter mudado para pior.

AJF: Sempre que me é possível, procuro acompanhar as notícias da minha terra, seja através das redes sociais, seja pelos meios de comunicação locais. Aproveito para aplaudir o serviço que prestam, destacando, por exemplo, o Jornal de Santa Marinha, cuja persistência merece reconhecimento, resistindo e garantindo que ainda seja possível ter acesso a notícias locais. No entanto, sinto que, mesmo neste campo, as opções são cada vez mais limitadas. Faz falta um maior dinamismo na comunicação social do concelho, tanto na imprensa escrita como na rádio, para que a informação local não se perca.

AJF: O que mais destaco é a resiliência de alguns senenses – essa capacidade de, mesmo tendo oportunidades noutros destinos, escolherem permanecer e lutar pelo concelho. E não posso deixar de mencionar o encanto intemporal do Parque Natural da Serra da Estrela, que, apesar de todos os desafios, continua a preservar a sua essência.

AJF: O que dizer? As evidências estão por todo o lado. Foram décadas de promessas vãs, de projetos falhados, de decisões políticas desastrosas que não só não resolveram os problemas de Seia, como os agravaram.

O exemplo mais paradigmático desse desnorte é o que fizeram no Largo da Feira – um verdadeiro monumento à incompetência. Que idiotice foi aquela? Como é possível gastar dinheiro dos contribuintes para criar algo sem qualquer sentido, sem utilidade, sem visão? E chamam-lhe Porta da Estrela? Mais valia terem dado outro nome àquela aberração algo que refletisse melhor a inutilidade do espaço, sem propósito, sem identidade e sem qualquer benefício para a cidade.

E o pior é que nem era preciso ser um génio para perceber que aquele espaço poderia ter sido transformado em algo útil, vibrante, integrado no desenvolvimento da cidade. Bastava bom senso.

E enquanto isso, Seia definha. Nos últimos anos perdeu quase 24% da sua população. Basta percorrer o centro da cidade para ver as ruas desertas, as lojas fechadas, os negócios locais que resistem sabe-se lá com que sacrifício para manter as portas abertas.

Venderam-nos sonhos e entregaram-nos ruínas. Estamos perante um concelho estagnado, sem gente, sem emprego e sem atratividade para fixar os mais jovens.

Seia e todo o concelho encontram-se neste estado devido a anos de más decisões políticas, marcadas pela incompetência sucessiva de quem governou sem visão nem estratégia. E digo isto com alguma contenção, para não usar termos ainda mais duros para descrever aqueles que permitiram que a nossa terra chegasse a este ponto.

AJF: Sou daqueles que, mesmo diante das adversidades, procuram sempre encontrar o lado positivo. E Seia, continua a ser um concelho com um enorme potencial. Tem uma localização privilegiada, no coração da Serra da Estrela, uma riqueza natural incomparável, um património histórico e cultural que poderia ser muito mais valorizado, e um conjunto de recursos que, se bem aproveitados, poderiam transformar a economia local e reverter o declínio populacional.

Os jovens partem porque não encontram aqui um futuro. O turismo, que poderia ser um motor de desenvolvimento, continua a ser explorado de forma amadora e sem estrutura.

Seia tem tudo para ser um destino turístico de referência, um polo de inovação ligado à montanha, à sustentabilidade e à gastronomia. Tem espaço para se afirmar na área do desporto de alta performance, tem condições para atrair investimento e reter talento.

Mas para isso, é preciso quebrar este ciclo de marasmo, de promessas vãs e de política de remendos.

Seia precisa de líderes com visão, com coragem para fazer diferente e com vontade de transformar este potencial em realidade. Porque a matéria-prima está cá – só falta trabalhá-la com a intensidade e a inteligência que merece.

Enquanto há vida, há esperança. E é nisso que devemos focar-nos.

AJF: Por agora, o nosso projeto de vida familiar está enraizado em Macau, e, a menos que surjam mudanças significativas a nível profissional, não equacionamos um regresso a curto prazo. No entanto, a médio prazo, a intenção é voltar a Portugal – e, quem sabe, a Seia. Seia está e estará sempre presente, não apenas na memória, mas também como uma possibilidade real para o futuro.

AJF: Quero deixar uma palavra de reconhecimento e gratidão aos jovens que decidem ficar e lutar pelo futuro da nossa terra. Seia tem um potencial imenso, e é fundamental lembrar que o futuro está nas vossas mãos. Tenham ousadia, intervenham no espaço público, façam valer as vossas ideias – porque vocês têm valor e podem ser a mudança que Seia precisa.

Aos emigrantes, envio um forte abraço, porque só nós sabemos a falta que a nossa terra nos faz.

Sei que Seia tem, espalhados pelo mundo, emigrantes de enorme valor, e seria essencial a criação de uma plataforma que unisse essa diáspora, permitindo restabelecer laços e raízes com a nossa terra.

Bem hajam!

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