“Os clientes finais do que fazemos na HFA estão por todo o mundo. Costumamos dizer que a eletrónica está em todo o lado e… nós fabricamo-la.”
A empresa tecnológica HFA está a desenvolver um componente de fibra ótica para a gigante americana de telecomunicações Verizon, uma das maiores operadoras do mundo.
Carlos Alves nasceu no Congo, mas desde muito cedo veio para a Lapa de Tourais (Seia), onde passou a sua infância e fez os seus estudos primários. Frequentou o liceu em Seia e, quando acabou os estudos secundários, saiu, como tantos outros jovens, para o ensino superior. Licenciou-se em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações pela Universidade de Aveiro e, mais tarde, tirou uma especialidade em Engenharia da Qualidade. Foi em Águeda, onde reside, que começou a trabalhar numa empresa, na altura, ligada à área da metalomecânica e onde deu início ao departamento de eletrónica. Após 10 anos de trabalho, Carlos Alves e dois outros colaboradores decidiram comprar o negócio da empresa para a qual trabalhavam e criar, em 1995, a HFA – Henrique, Fernando & Alves, S.A. A empresa iniciou a sua atividade com 10 colaboradores e, hoje, tem cerca de 400. Já o Grupo HFA, formado por várias empresas, com produtos próprios, nas áreas de telecomunicações, de energia, cidades inteligentes, iluminação etc., conta com mais de 800 colaboradores.
Carlos Alves divide o seu tempo por várias empresas das quais é administrador. Com mais de 30 anos de experiência em eletrónica, tem estado envolvido em inúmeros projetos tecnológicos, primeiro na área de desenvolvimento e, mais tarde, como gestor de topo.
Atualmente é, ainda, embaixador na Universidade de Aveiro e Conselheiro do Departamento de Eletrónica e Informática (DETI) da Universidade de Aveiro e da Escola Superior Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA) e Embaixador da ONU para os Objetivos de Sustentabilidade (ODS) da ONU.
A HFA é uma empresa com 30 anos de experiência na indústria eletrónica. Os clientes finais da HFA estão por todo o mundo. A título de exemplo, a empresa produz placas que estão a funcionar na Estação Espacial Internacional e em satélites em órbita terrestre e, também, nos submarinos e fragatas da Marinha Portuguesa.
Com grande ligação a Seia, este empresário não esquece o concelho que o viu crescer e, por isso, gostava de criar uma delegação ou uma empresa tecnológica no concelho. Contudo, como diz, “sozinho nada se consegue.” Para tal, considera que “é preciso criar condições para ter pessoas com talento, ter os diversos fornecedores por perto. Tem que se começar por criar condições para que aqueles que vivem em Seia e vão estudar fora, tenham condições de voltar, e assim começar a ter pessoas com formação na zona que atraia as empresas.”








Jornal Santa Marinha (JSM): O Carlos Alves não é natural de Seia, mas tem uma forte ligação ao concelho. Fale-nos de si, onde reside, qual a sua formação académica…
Carlos Alves (CA): Nasci no antigo Congo Belga, mas muito cedo vim para a Lapa de Tourais onde passei a infância e fiz os estudos primários. Em seguida, frequentei o Liceu em Seia, seguindo, posteriormente, para a Universidade de Aveiro, onde obtive a licenciatura em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações e, mais tarde, uma especialidade em Engenharia da Qualidade. Atualmente resido em Águeda, onde se localiza a empresa HFA de que sou administrador. Para além disso, sou atualmente embaixador na Universidade de Aveiro e Conselheiro do Departamento de Eletrónica e Informática (DETI) da Universidade de Aveiro e da ESTGA – Escola Superior Tecnologia e Gestão de Águeda e Embaixador da ONU para os Objetivos de Sustentabilidade (ODS) da ONU.
JSM: Em 1995 criou uma empresa em Águeda de Eletrónica e Telecomunicações, a HFA-Henrique, Fernando & Alves, S.A. Fale-nos da história desta empresa, da sua evolução, em que áreas atua…
CA: Quando terminei a licenciatura na Universidade de Aveiro fui trabalhar para Águeda onde iniciei o departamento de eletrónica numa empresa que trabalhava na altura na área da metalomecânica. Após 10 anos de trabalho, conjuntamente com dois outros colaboradores, decidimos criar a empresa HFA comprando o negócio da empresa para a qual trabalhávamos na altura. A título ilustrativo, a HFA iniciou com 10 colaboradores e hoje tem cerca de 400.
JSM: Quais os investimentos que têm feito ao longo dos anos, os projetos em que estão envolvidos e os produtos que estão a desenvolver?
CA: Ao longo do percurso empresarial fui co-fundador de outras empresas na área tecnológica e, agora, divido o tempo por várias empresas das quais sou administrador. Com mais de 30 anos de experiência em eletrónica, tenho estado envolvido em Inúmeros projetos tecnológicos, primeiro na área de desenvolvimento e, mais tarde, como gestor de topo.
Dos projetos em que me envolvi destaco a digitalização da rede de telecomunicações em Portugal, há 40 anos atrás e, na ultima década, as redes de novas geração com a introdução da fibra. A criação e ser membro de associações empresariais que muito contribuem para a atração de talento e investimento na região onde trabalho, também são outros projetos dos quais faço parte.
JSM: No ano passado, a HFA anunciou que adquiriu equipamentos de produção altamente especializados na área da microeletrónica. Em causa está o XFP NG-PON2 ONU. Que produto é este, para que serve e para quem está a ser produzido?
CA: É um produto desenvolvido por uma das nossas empresas que trabalha na área da fotónica e que é a única solução no mundo, de momento, para multiplicar por 10 a largura de banda de um equipamento terminal, que disponibiliza sinal em fibra (NG-PON2). O cliente é uma das maiores operadoras do mundo (Verizon) nos EUA. Temos um contrato de 5 anos de fornecimento desta tecnologia. Trata-se de um produto complexo que exige uma grande quantidade de testes e controlos rigorosos.
JSM: Este produto foi adquirido através de um investimento de cerca de cinco milhões de euros, financiado pelo PRR, no âmbito da Agenda Microeletrónica. De que se trata esta agenda e de que forma ela é importante para o aumento da capacidade produtiva.
CA: A Agenda da Microeletrónica é um consórcio criado no âmbito das Agendas Mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência em Portugal. Envolve um conjunto de 17 parceiros e visa posicionar Portugal na linha da frente no mercado de chip design, chip packaging, assemblagem eletrónica e reciclagem de REEEs, com capacidade para fornecer a Europa e outros mercados globais. Os investimentos concentram-se no aumento da capacidade produtiva nacional, no desenvolvimento de tecnologias avançadas, I&D, formação e capacitação de recursos humanos, internacionalização da imagem do setor e na reciclagem sustentável de resíduos.
JSM: A HFA pensa criar algum produto tecnológico próprio?
CA: O Grupo HFA, formado por várias empresas, tem produtos próprios, nas áreas de telecomunicações, de energia, cidades inteligentes, iluminação etc.
JSM: Sabemos bem do elevado preço da energia em Portugal. Isto não torna menos competitivo o vosso produto final? Ou têm soluções alternativas? Atualmente é muito importante a sustentabilidade do meio ambiente. Sabemos que a HFA tem vários compromissos nesta área. Como é feito o trabalho nesta área ambiental, uma vez que os resíduos utilizados por empresas tecnológicas são altamente poluentes?
CA: A preocupação pela Sustentabilidade e pela Ética nasceu de uma forma espontânea e natural na HFA e foi amadurecendo e ganhando uma estrutura sólida ao longo do tempo. A política de Responsabilidade Social da empresa focaliza-se, fundamentalmente, nas questões sociais, económicas e ambientais, relativas a situações do quotidiano da empresa e na interação com todas as partes interessadas. Para nós, a sustentabilidade esteve sempre presente ao longo dos 29 anos de existência. Não é uma moda! Sempre defendemos que uma empresa deve prestar contas e responsabilizar-se pelo seu impacto na sociedade. Sempre fomos transparentes nas nossas atividades e em todos os momentos fizemos por ter um comportamento ético, respeitando os interesses das partes interessadas e tentar seguir as normas internacionais do respeito pelo estado de direito. Na HFA fazemos a separação de resíduos e trabalhamos com os clientes e fornecedores para reduzir o desperdício eletrónico e transformar os resíduos em recursos.
Na HFA investimos em tecnologias que nos permitem reduzir o impacto ambiental das nossas operações e aumentar a eficiência energética. Um dos exemplos é a utilização de fornos com consumo de energia mais eficiente, que nos ajudam a reduzir, significativamente, o gasto energético durante o processo de produção, mantendo a qualidade dos nossos produtos. Além disso, utilizamos o verniz clean, que é uma solução mais ecológica para proteger os nossos circuitos eletrónicos. Este verniz reduz a emissão de compostos orgânicos voláteis (COVs), contribuindo para um ambiente de trabalho mais seguro e para uma menor poluição ambiental. Estas iniciativas fazem parte do nosso compromisso com a sustentabilidade, alinhando a inovação tecnológica com a responsabilidade ambiental.
JSM: A HFA tem uma forte presença no mercado nacional, mas também internacional. Com que clientes e países trabalham?
CA: Os clientes finais do que fazemos na HFA estão por todo o mundo. Costumamos dizer que a eletrónica está em todo o lado e… nós fabricamo-la. Na Europa, trabalhamos com os principais players da indústria automóvel, nas telecomunicações, aos equipamentos que produzimos asseguram as comunicações, por exemplo, em França, EUA, Brasil, República Dominicana, Israel e, claro, Portugal. Temos placas produzidas por nós a funcionar na Estação Espacial Internacional e em satélites em órbita terrestre e também nos submarinos e fragatas da Marinha Portuguesa.
JSM: As parcerias são fundamentais para o sucesso das empresas. Também a HFA trabalha com parceiros que são uma mais-valia para a concretização dos seus objetivos. De que forma é que estas colaborações são essenciais para a consolidação e avanço da empresa?
CA: Fazemos parte de uma cadeia de valor e nada pode ser feito sozinho. É necessário criar relacionamentos de longo prazo e entender o negócio do parceiro. É preciso humildade e ver o todo e muitas empresas não estão preparadas para isso. Leva tempo de aprendizagem (é como namorar antes do casamento), mas as pessoas não têm tempo, mas como diz a canção do velho Bob Dylan, os tempos estão a mudar… times are changing. As questões são complexas, dependem de empresa para empresa, mas acredito que uma visão clara e compartilhada é essencial, assim como a capacidade (inclui negociação) de criar relacionamentos em que todos ganham. Acho que a nossa melhor vantagem é a capacidade de nos adaptarmos às necessidades dos nossos clientes e, quanto a mim, não é uma questão de aptidão, mas de iniciativa.
“Não é o mais forte da espécie que sobrevive, nem o mais inteligente que sobrevive. É o que é mais adaptável à mudança.” Charles Darwin … há mais de 150 anos.
JSM: O mercado eletrónico é muito competitivo e exigente. Por isso torna-se tão importante uma empresa recorrer a técnicos especializados e a constantes formações, para uma melhor aposta na qualidade, na inovação e na excelência. Neste campo, como atua a HFA? Esta empresa conta com quantos colaboradores?
CA: A empresa tem cerca de 400 colaboradores e o Grupo tem mais de 800. O ambiente empresarial é muito competitivo, com todas as empresas a quererem atrair os melhores talentos. Procuramos recursos humanos de longa duração, que ambicionem ter um emprego como projeto de vida e estabilidade profissional. Sentimos dificuldade em estimular e reter o talento de profissionais que cada vez mais valorizam ambientes cosmopolitas e é difícil competir com Barcelona, Zurique ou Berlim. Mas investimos no desenvolvimento e o bem-estar dos nossos colaboradores, valorizando-os como a força vital da HFA e temos conseguido atrair e reter.
JSM: Há cerca de um mês, a HFA atribuiu, pelo quarto ano consecutivo, bolsas de estudos a estudantes da região de Águeda. Este é outro compromisso que a HFA quer continuar a manter…
CA: Na HFA, acreditamos que a educação transforma vidas. É por isso que promovemos iniciativas que garantem acesso inclusivo e equitativo à educação, capacitando pessoas para um futuro mais sustentável. Através da atribuição de bolsas de estudo, visitas escolares, estágios e parcerias com escolas e universidades, trabalhamos para que mais pessoas tenham acesso a uma educação de qualidade e estejam preparadas para construir um futuro melhor para todos.
JSM: Vem frequentemente a Seia? Como caracteriza este concelho? E em termos tecnológicos?
CA: Sempre que posso vou a Seia, visitar a família. Em termos tecnológicos penso que o concelho está bem servido, nomeadamente de fibra e tem empresas que estão a trabalhar bem nas suas áreas. Penso é que o concelho tem que saber comunicar melhor. Dentro do concelho e externamente. Precisamos de atrair pessoas e investimentos, mas temos de dizer quem somos, como nos organizamos para os receber e como iremos corresponder às suas expetativas. O concelho tem que trabalhar na internacionalização da região de Seia, ao nível da captação e instalação de capital/empresas e divulgação de competências e recursos em mercados internacionais, então teremos de ser muito práticos, ajustados a uma sociedade em mudança, com diferentes perspetivas de vida e com novas ambições para a sua vida profissional.
JSM: Por estar ligado a esta terra, alguma vez pensou em criar uma delegação ou uma empresa tecnológica em Seia?
CA: Sim gostava, mas como já disse antes sozinho nada se consegue. É preciso criar condições para ter pessoas com talento, ter os diversos fornecedores por perto. Tem que se começar por criar condições para que aqueles que vivem em Seia e vão estudar fora, tenham condições de voltar, e assim começar a ter pessoas com formação na zona que atraia as empresas. Pessoas nas áreas da gestão, da engenharia, nas TICE, na química etc etc.
JSM: O concelho de Seia tem tido, ao longo dos anos, dificuldades em criar condições para atrair novos investimentos, novas empresas em diversas áreas e até mesmo fixar recursos ou atrair turistas e população. Na sua opinião isto deve-se a quê?
CA: Não sei ao que se deve, mas o diagnóstico já deve estar feito pelos atores locais, mas no processo de atração e retenção de pessoas existem quanto a mim 3 prioridades:
Serviços de saúde – Sem saúde nada se faz; Agricultura – Porque é necessária comida para alimentar as pessoas; Educação – Precisamos de ter pessoas competentes e melhores cidadãos.
É importante valorizar o ensino profissional, aprendizagem ao longo da vida, a ligação das empresas aos estudantes e fomentar a possibilidade de os jovens experimentarem antes de decidirem por uma “carreira”.
Existem depois uma série de outros pontos importantes: Um serviço de emigração local, Habitação, Mobilidade, Escolas (desde infantários à Universidade – polo de Turismo), zonas de lazer, Centros de Dia e IPSS, centros de divertimento, Justiça…
Mais do que atração de empresas âncora, é preciso trabalhar e fomentar a cooperação multissetorial das empresas que já existem no concelho, até porque este é um tema que importa a todos os setores. Ao promover projetos conjuntos entre diferentes setores, visando por exemplo, a incorporação digital e focando no desenvolvimento, reutilização, conseguimos abranger vários desafios de diferentes setores, e ainda, alavancamos áreas conexas como o desenvolvimento de software, materiais, logística, otimização de processos, etc.
JSM: Como se monta uma estratégia de atrair e fixar pessoas na Região Centro? Como isso se faz? Que tipo de educação se oferece ajustada às necessidades? Que perfil de pessoas querem nos vossos quadros?
CA: Temos que perceber como funcionam as redes que estão envolvidas na construção das políticas públicas e que têm impacto no desenvolvimento económico local. A ideia é identificar, em cada local,quais os agentes e instituições que mais influências têm na tomada da decisão e através de indicadores, ajudar os autarcas a prestar um melhor serviço aos munícipes. Estou preocupado com o trabalho da comunicação social que só vai à procura das coisas más, nomeadamente o estado de direito e a corrupção, aquisição dos serviços diretos etc, etc.
Os nossos políticos não percebem que somos muito pequeninos à escala europeia. Uma cidade média europeia tem 300 000 habitantes. Parece-me, às vezes, que os municípios não querem trabalhar em conjunto. Interessa é haver planeamento, juntos encontrar novas redes, ter pessoas de outras cidades/municípios. Precisamos de atores políticos que puxem pela Região Centro.
JSM: Que projetos pretende implementar futuramente? Esses projetos poderão passar por Seia?
CA: É minha intenção continuar na área dos semicondutores e microeletrónica e temos a ideia de trabalhar na área do chip design e chip packinging dos semicondutores, que necessita de equipamento muito específico e pessoas altamente treinadas, que nós ainda não temos e que temos que atrair para Águeda e formar. Neste momento parece-me difícil atraí-las para Seia. Talvez um projeto mais ligado às tecnologias digitais, por exemplo, desenvolvimento de software, que só precisamos de computadores e fibra, seja mais fácil de implementar em Seia. Mas quem sabe, talvez um projeto ligado à área da formação para quadros das empresas, aproveitando as condições da região de Seia em termos de turismo e a boa gastronomia.
Deixo aqui uma mensagem de confiança e otimismo para os jovens, dizendo que está tudo por fazer. Precisamos de novas formas de produzir energia, novas formas de mobilidade, novas formas de produção, novas formas de fazer trabalhar, novas formas de valorizar o tempo que estamos juntos, mas não nos podemos esquecer que o que fazemos para nós mesmos, morre connosco. Só o que fazemos pelos outros e pelo mundo permanece.