Por Pedro Lopes – Tesoureiro do Conselho Diretivo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros
O acesso a cuidados de saúde de qualidade para pessoas com demência é um desafio global, particularmente para aqueles que vivem em regiões rurais. Um estudo sistemático internacional apontou diferenças significativas entre populações urbanas e rurais, indicando que as pessoas com demência em áreas rurais apresentam maior mortalidade, menos visitas a médicos, mais hospitalizações, menor acesso a serviços domiciliares e maior uso de antipsicóticos (Arsenault-Lapierre et al., 2023). Contudo, a realidade portuguesa apresenta alguns aspetos distintos.
Um estudo comparativo entre 54 idosos revelou que aqueles residentes em áreas rurais relatam uma melhor perceção da qualidade de vida em dimensões físicas e psicológicas, comparados aos idosos urbanos (Instituto Politécnico de Bragança). Outro estudo, focado em freguesias rurais do norte de Portugal com 339 participantes, mostrou que 41,3% dos idosos vivem sozinhos e 60,2% possuem baixo grau de instrução.
A prevalência de doenças osteoarticulares (75,2%) e o uso excessivo de medicamentos (87,3%) evidenciam desafios importantes, especialmente entre as mulheres, que relataram maior sentimento de solidão e pior perceção da qualidade de vida (Arsenault-Lapierre et al., 2023).
A discrepância entre os dados portugueses e o estudo internacional pode ser atribuída a fatores culturais e sociais. Enquanto a revisão internacional sugere que o acesso limitado a serviços especializados prejudica a saúde dos idosos rurais, em Portugal, a estrutura comunitária parece mitigar esses impactos. Pequenas comunidades frequentemente oferecem um suporte social mais forte, compensando, em parte, a falta de recursos formais.
No entanto, não se pode ignorar os desafios existentes. O projeto “SINDIA: Desigualdades sócio-espaciais na demência”, em curso, até 2026 na Universidade de Coimbra, busca compreender como o local de residência influencia a progressão da demência e o acesso aos cuidados. Esses estudos serão fundamentais para o desenvolvimento de políticas de saúde mais equitativas, considerando tanto indicadores objetivos como a perceção subjetiva dos idosos.
Assim, a questão central não é apenas a desigualdade na distribuição de recursos, mas também como diferentes realidades culturais moldam a experiência da velhice e da doença. Portugal apresenta um cenário singular, onde o desafio está em equilibrar a perceção positiva dos idosos rurais com a necessidade de ampliar o acesso a cuidados especializados. O desenvolvimento de políticas adaptadas às especificidades regionais é essencial para garantir que a população envelheça com dignidade e suporte adequado.
Apesar dos desafios, há razões para acreditar num futuro mais promissor. Com um olhar atento e medidas concretas, podemos construir uma sociedade mais inclusiva, onde todas as pessoas com demência recebam o respeito e os cuidados de saúde que merecem. O caminho pode ser longo mas só o compromisso coletivo permitirão um envelhecimento mais digno e humano para todos.