Dois temas abordados recentemente nesta coluna (O Ensino Superior em Seia, no JSM de 31/05 e de 30/06 e a APdSE, no JSM de 28/07) suscitaram contactos, por via oral e escrita, de leitores reagindo aos conteúdos dos artigos publicados.
Em ambos os casos os leitores manifestaram a sua concordância de opinião, denunciando, com casos concretos, situações que confirmavam e mesmo reforçavam a opinião publicada.
Mas uma outra particularidade era comum em ambos os casos; os leitores, ou as pessoas que representavam, solicitaram que os seus comentários não fossem publicados ou divulgados os seus nomes, preferindo manter o anonimato, com receio de represálias e perseguição nos seus locais de trabalho.
Alguns pensarão que se trata de pura imaginação mas, estou certo, muitos leitores conhecem ou vivem mesmo situações idênticas. Instala-se o medo de falar e de se manifestar livremente, com receio de consequências penalizadoras para si ou mesmo para os seus familiares. O medo é uma reação natural do nosso corpo que faz parte do instinto de sobrevivência e, por isso, é utilizado muitas vezes em situações ou por organizações menos transparentes para criar esse sentimento junto dos seus interlocutores ou colaboradores, quando se pretende exercer uma relação de prepotência suportada por decisões autocráticas e baseada em escolhas e preferências pessoais, políticas ou mesmo ideológicas, e não no mérito ou competências dos envolvidos.
Este clima potencia, inevitavelmente, o emergir da corrupção.
As situações que acima referi ilustram bem o ambiente que se vive localmente em algumas instituições e ajudam também a perceber a falta de rigor, de competência e de ambição dessas organizações que, assim, acabam por contribuir para o não desenvolvimento local.
A imprensa local tem aqui um papel fundamental, que acaba por se traduzir num serviço em defesa ou consolidação da democracia, investigando, opinando e noticiando, com rigor e verdade.
Jan-Werner Mueller (*) num artigo de opinião recente (Project Syndicate, 2023/06/18, “Can Local Journalism Be Saved?) afirma que “…para que o governo local funcione adequadamente deve haver jornalismo local para responsabilizar políticos e legisladores…” e, ao abordar o declínio do jornalismo local em várias partes do mundo, não tem dúvidas em afirmar que as implicações negativas para a democracia são evidentes. Trata-se de um fenómeno também vivido localmente, já abordado anteriormente nesta coluna, restando o jornal que tem nas mãos como um exemplo raro de sobrevivência e resiliência.
Ainda segundo o professor Mueller, no mesmo artigo, “cientistas sociais que estudam este tema demonstraram claramente que menos jornalismo local resulta em níveis mais altos de corrupção, prejudica a competição política e reduz o envolvimento dos cidadãos”.
O papel da imprensa e jornalismo locais é noticiar os factos e acontecimentos locais que não merecem a atenção do noticiário nacional, mas ainda, através da opinião fundamentada e da verdade na informação, denunciar as situações menos transparentes, e representar aqueles que, por medo ou falta de meios, não se podem manifestar.
(*) Jan-Werner Mueller é professor de Política na Universidade de Princeton e membro do Instituto de Ciências Humanas de Viena. Tem um livro publicado em Portugal, “O Que é o Populismo?”, Texto Editores, julho de 2017.
O JORNALISMO LOCAL
E A CORRUPÇÃO