Nas voltas da crise há de tudo. Como estamos de eleições à porta, não faltam tiradas de prosperidade.
Nessa onde, a ministra das Finanças teve uma tirada para não esquecer. Orgulhosa da sua proeza, em reunião com os jovens militantes do seu partido, disse que tem os «cofres cheios» de dinheiro. E logo dirigindo-se aos futuros dirigentes políticos, numa de colaborar para o aumento da natalidade, que anda muito por baixo neste país, acrescentou: «vão e multipliquem-se».
“Multipliquem-se!... “Os cofres cheios” de dinheiro emprestado, para voltar a quem o emprestou. “Cofres cheios” num país endividado que não produz o suficiente para pagar o que deve. Dívida que cresce ao ritmo da especulação do sistema financeiro que suga os países mais pobres para dar lucro aos mais ricos.
“Os cofres estão cheios” à custa dos impostos pagos pelos contribuintes, cheios à custa dos roubos nos ordenados, nas pensões dos idosos, do dinheiro que retiraram das prestações sociais, da educação e da saúde.
“Os cofres estão cheios” e a mancha da pobreza no país alargou em todos os sentidos. São muitos milhares de crianças que chegam à escola com fome.
“Vão e multipliquem-se”, uma recomendação dirigida aos jovens, a quem antes recomendaram que emigrassem e que deixassem de ser “piegas”, que desaparecessem para outros países.
Em tom totalmente diferente e com outra sensibilidade falou o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, ao dizer que a Europa está a pedir sacrifícios aos cidadãos “para salvar os bancos”, e que é preciso “envolver os parceiros sociais na defesa de um modelo social que há muitos anos está a ser destruído”.
Martin Schulz disse ainda que se “pedem sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos, impostos mais altos e menos serviços, com os filhos desempregados”, mas para “salvar os bancos” da falência há dinheiro, mesmo para acudir a administrações incompetentes e corruptas, principescamente bem pagas. O banco BES é um caso exemplificativo, como já foi o BPN, o BPP, para falar só de casos que conhecemos por cá.
E Martin Schulz acrescentou que se não voltarmos a um tratamento igualitário e justo, as promessas de uma Europa desenvolvida ficarão por cumprir. Referiu ainda o desemprego jovem na Grécia, na Espanha, também em Portugal e noutros países, mesmo naqueles que antes respiravam prosperidade, como uma calamidade.
E se para os desempregados a vida é uma desgraça, também para os que trabalham é uma desgraça, porque cresce o trabalho precário e mal pago, com laivos da moderna escravatura. “Mesmo os que têm emprego muitas vezes estão presos numa espiral de estágios não remunerados e de contratos de curto prazo”, acrescentou Martin Schulz.
E o que ouvimos dos políticos que nos governam é um constante martelar na necessidade de fazer reformas estruturais e as reformas estruturais que conhecemos estão centradas na desregulamentação do trabalho.
Estamos a criar uma geração sem futuro. A crise de que não somos responsáveis, somos nós que a pagamos. Uma crise que serve a alguns que ganham com a miséria de muitos.
Como vemos e ouvimos que há dinheiro de milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e não há para a saúde, para a educação e para a protecção dos mais desfavorecidos, estamos a pactuar com uma sociedade sem sentido.
O desemprego não se combate pondo os que trabalham submetidos a um regime frenético de trabalho.
Os sinais estão aí. O descrédito, o ódio, o desprezo pelos políticos são sentimentos generalizados, nos jovens e nos mais idosos.
Caminho aberto à revolta, à violência. E a violência não se combate com mais armas, nem com mais polícias, nem com mais vigilância e investigação.
A crise está a gerar mais violência e as vítimas são as crianças, os idosos, os mais frágeis. Também por aqui andam os resultados da crise financeira.
Também o Papa Francisco está sintonizado com estas preocupações, também ele “critica salários de 600 euros por 11 horas de trabalho, a que muitos se sujeitam como consequência do desemprego e da fome”.