Natal. As notícias não deixam esquecer o Natal. As televisões mandam jornalistas para os grandes centros comerciais para registarem os entusiasmados, a azáfama das compras.
E o jornalista em serviço deixa-se levar pelo entusiasmo das compras e passa a fazer apelos ao consumo de tudo o que se vende no grande centro comercial. E assim dão o jeito ao consumo do que faz falta, do desnecessário e do inútil.
E o jornalista faz entrevistas aos clientes, já carregados de compras. E faz entrevistas com perguntas se vai oferecer muitos presentes. E os clientes, porque estão para a televisão, respondem que se compraram umas coisas, que se gastou algum dinheiro, que ainda há coisas para comprar.
E as lojas, sempre prontas o servir seus clientes, publicitam que estão sempre ao dispor dos seus estimados clientes.
E as reportagens aparecem sempre nos grandes centros comerciais da cidade e as reportagens puxam frases de espanto e de engrandecimento do grande centro comercial, que fervilha de gente.
E o jornalista faz perguntas se ainda tem compras a fazer, ou se já comprou tudo o que tinha para comprar.
E o jornalista espicaça as crianças ao perguntar o que pediu ao Pai Natal.
E o brinquedo que a criança pediu ao Pai Natal, no dia a seguir ao Natal será brinquedo que muitas outras crianças também pediram ao Pai Natal.
E assim o jornalista de serviço colabora nas escolhas das crianças e molda consumos ao gosto dos grandes centros comerciais, porque os brinquedos dos grandes centros comerciais são todos iguais e são encomendados muitos meses antes do Natal, e são feitos longe, muito longe, onde se paga pouco a quem trabalha, que nem para um Natal com dignidade dá.
E o repórter jornalista da televisão insinua que há brinquedos caros e os pais assim compram brinquedos caros, porque não querem ser considerados pobres e para que os seus filhos também se gabem que também eles têm brinquedos caros.
E o jornalista no grande centro comercial embarca naquela propaganda e nem ele mesmo sabe que está a fazer o jeito aos grandes centros comerciais e são esses os que mais ganham com a azáfama das compras de Natal, quando se compra o que é necessário e o desnecessário, o útil e o inútil, o nocivo e o prejudicial.
E é nisso que está o consumismo responsável pelos desequilíbrios da natureza, pelos excessos de poluição, pelos aquecimentos globais, pelos plásticos que inundam os mares, pelas tempestades e pelas inundações inesperadas.
O importante é comprar e ser visto nas compras pelo repórter da televisão.
Os grandes centros comerciais são as novas catedrais. A nova religião é a religião das compras. Os novos rituais são os rituais das compras, das compras do Natal, o ritual do carregar embrulhos. Embrulhos a esconder o que já é conhecido, porque o que o embrulho esconde já há muito estava no centro comercial.
E ao mesmo tempo das compras acontecem as reportagens da caridade e da solidariedade.
São os sem-abrigo a comerem uma refeição quente, melhorada, com doces, com rabanadas e com carinhos por caridade de gente generosa, nos dias de Natal. É a generosa prestação dos voluntários com as televisões a filmar. Tudo melhorado, generoso e limpo, porque vai ser filmado e visto, reportagem para notícia das televisões.
E o jornalista sabe, nesse dia de Natal, o que antes já sabia, os que vivem na rua, sem abrigo, ao frio e à chuva, desempregados e esfomeados.
E são muitos milhares os que nem no Natal têm refeição melhorada.
E são muitos sem Natal com aconchego. Natal frio, escondido nos prédios altos, cidadãos desertificados. São pobres, idosos, desempregados, sem família, famílias escangalhadas.
E neste Natal, uma notícia que todos os dias é notícia: São muitos milhões as pessoas famintas neste Mundo de consumo e de desperdícios.
A TODOS: UM BOM NATAL!...