Na noite desta mais recente sexta-feira, lá nos surgiu Clara Ferreira Alves, perorando sobre a intervenção de Israel em Gaza, mas num tom tal que de pronto me trouxe ao pensamento a sua obra EM NOME DO PAI, onde nos expõe os inenarráveis sacrifícios dos arménios às mãos dos turcos. Devo dizer que consegui ficar impressionado, mesmo dolorido.
Nesta sua obra, Clara expõe-nos os sacrifícios sofridos por cristãos às mãos de muçulmanos. Simplesmente, está hoje a decorrer um confronto entre judeus e muçulmanos, sendo que os primeiros, como referiu António Guterres com oportunidade e coragem, vêm sufocando os segundos desde há perto de seis décadas. Uma realidade já exposta há dias pelos embaixadores Fernando d’Oliveira Neves e Francisco Seixas da Costa. Ora, sobre esta realidade, quase nada nos chegou, mormente de modo continuado, por parte de Clara, como também de Ana Gomes, ou de António Costa, por exemplo. E da IL, ou do Chega, bom, o melhor é fingir que se esquece…
De modo concomitante, tanto Clara como Ana Gomes há muito nos dizem que o Donbass, tal como a Crimeia, é da Ucrânia, porque assim no-lo indica o Direito Internacional Público, mormente por via da sua Carta das Nações Unidas. Em contrapartida, sobre a ocupação de 60 % do território do Estado da Palestina na Cisjordânia, com a colaboração da polícia e das Forças Armadas de Israel, mas por igual do Ocidente cúmplice, bom, quase não se fala. É também uma ilegalidade, à luz das tais referências acima apontadas, mas de que quase não se fala…
Tal como aconteceu com a Ucrânia, também neste caso do conflito criado aos palestinos, desde há décadas, por Israel, quase não se fala. A uma primeira vista, os dois Estados só agora se confrontaram, fruto das práticas terroristas de membros do Hamas em 07 de outubro. Para a enorme maioria dos que nos surgem nas televisões, esta ação terrorista de 07 de outubro é um crime, e até hediondo, mas os milhões de sacrifícios, e de todo o tipo, aplicados por Israel aos palestinos, ao longo de muitas décadas, bom, quase nada é dito.
Do mesmo modo, ocupar partes de um território de outro Estado é um crime à luz do tal Direito Internacional Público, mas desde que o ato seja praticado pela Federação Russa sobre a Ucrânia, porque se for o território da Cisjordânia ilegalmente ocupado por Israel, quase de tal crime não se fala. Simplesmente, esta dicotomia, por acaso passada em tempo comum, mostra uma coisa: se for o Ocidente a violar o Direito Internacional Público, pois, nada de mal vem daí, mormente pelas abordagens jornalísticas, mas se for alguém ocidental a ser alvo de procedimento semelhante, bom, é logo um tremendíssimo crime.
Tem-se falado sobre o Hamas como uma estrutura terrorista. Simplesmente, esta ideia não é universal: é-a para os Estados Unidos e Estados de si dependentes, como Israel e os da União Europeia, mas já o não é para as Nações Unidas e para uma multiplicidade de outros Estados. De resto, Menachem Begin foi também procurado por atos de terrorismo e de homicídio, mas a verdade é que chegou a Primeiro-Ministro de Israel.
De igual modo, foi interessante observar o salto opinativo da generalidade dos nossos comentadores sobre a votação de ontem na Assembleia Geral das Nações Unidas: nas anteriores situações, em torno da grande batalha da Ucrânia, os resultados eram exaltados sem limites, mas desta vez, com Israel a ser claramente posto em causa, já a decisão não é vinculativa! Como se Israel alguma vez se tenha sentido vinculado com as resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança!! E como se os Estados Unidos não se estivessem nas tintas para o Direito Internacional Público, para a Carta das Nações Unidas e para esta mesma instituição!!!
Por fim, esta evidência já incontornável: o Direito Internacional Público, tal como a enormidade das instituições internacionais de Direito, têm uma origem – até uma localização – ocidental. E ainda uma segunda evidência: para quando o reconhecimento de Francisco, à semelhança do que já referiu a propósito da invasão da Ucrânia, sobre que os territórios da Cisjordânia são do Estado da Palestina, devendo, por isso, ser deixados pelos colonos de Israel? E, mesmo por fim, uma terceira evidência: quando se determinará o PS de António Costa a reconhecer o nascimento do Estado da Palestina, ao invés de operar aparentes raciocínios ao redor do Direito Internacional Humanitário? Conseguirá dotar-se da essencialíssima coragem?
Não creio: nem António Costa, nem Montenegro, nem a grande maioria dos nossos detentores de soberania. Um dado é certo: temos a democracia…