Tiago Costa e a sua equipa descobriram como as bactérias se interligam, abrindo novas possibilidades no combate à resistência bacteriana a antibióticos
Tiago Costa é natural de Valezim (Seia), é professor universitário e investigador no Centre for Bacterial Resistance Biology do Imperial College London. Este senense lidera uma equipa que se dedica a investigar como é que as bactérias se interligam para ganhar maior resistência aos antibióticos. A equipa de investigação da universidade britânica apurou que as bactérias que colonizam o intestino humano conseguem construir estruturas (tubos) que se ligam entre si e transferem ADN, permitindo-lhes, através desse processo, ganhar uma maior resistência aos antibióticos.
Em 2003 quando acabou o curso de Bioquímica na Universidade da Beira Interior (UBI), Tiago Costa, natural de Valezim (Seia) fez um estágio profissional no Hospital Nossa Senhora da Assunção em Seia. Depois de ter concluído este estágio rumou até à capital, onde trabalhou numa empresa de Biotecnologia. Foi a partir daqui que toda a aventura começou. Depois de alguns anos em Lisboa, sentiu que era o momento de se lançar na sua área de formação e foi recrutado para fazer o doutoramento na Suécia, onde esteve cinco anos.
O início
Esta semente começou um pouco antes, na Escola Secundária de Seia, onde Tiago Costa chegou à conclusão que queria fazer algo relacionado com Biologia e Química. “Tive duas professoras na Escola Secundária que foram importantes nesta tomada de consciência e era a área em que me sentia confortável e com interesse em seguir. Foram as professoras Teresa Horta e Ana de Jesus que me despertaram este interesse. Era, de facto, algo interessante: uma mistura de Biologia e Química. Em 1998 concorri para a Faculdade e entrei na UBI. Gostei muito. Foi o primeiro ano em que abriu Bioquímica na Covilhã. É curioso, porque passados 20 anos, em 2018, convidaram-me, já eu estava no Imperial College, para dar um seminário e falar sobre a minha trajetória académica e científica para todos os alunos que estavam a iniciar o curso.”
A ida para a Suécia foi um salto no escuro
Depois de ter estado alguns anos em Lisboa, numa empresa de biotecnologia, Tiago Costa sentia que este ainda não era o seu caminho. Havia uma inquietude e esta inquietude levou-o até à Suécia, onde fez o seu doutoramento. “Não conhecia ninguém. A ida para a Suécia foi um salto completamente no escuro. Gostei muito do projeto que o Centro de Investigação propunha. Sempre gostei muito da área microbiológica e, em especial, bacteriologia. Com este projeto, os investigadores precisavam de entender como é que uma bactéria causa infeções gastrointestinais, ou seja, como é que ela infetava células humanas. Necessitavam de saber o mecanismo que estava por detrás do transporte das toxinas da bactéria para a célula humana”, refere o investigador.
Este foi, de facto, um momento de transição. Acabou o doutoramento e foi aqui que conheceu a sua namorada, agora esposa. “Ela foi fazer o pós-douramento no mesmo Centro de Investigação. No entanto, depois do doutoramento na Suécia, decidimos que queríamos estar mais próximos do sul da Europa. E fomos para Londres.
Foi neste momento que surgiu a oportunidade de ela fazer o segundo pós-doutoramento e eu fazer o meu pós-doutoramento, em Londres, no Institute of Structural and Molecular Biology da University College of London”.
Equipa liderada por Tiago Costa descobriu como é que as bactérias se interligam e criam resistência aos antibióticos
Entender como é que as bactérias transferem o ADN de umas para as outras e como conseguem resistir dessa forma à exposição de antibióticos foi o ponto de partida para que a equipa liderada por Tiago Costa chegasse a uma descoberta nunca antes feita.
Todo este trabalho foi auxiliado por meios técnicos disponíveis. “Em 2016 houve uma revolução tecnológica em termos técnicos. Com estes novos microscópios eletrónicos, conseguimos ver com mais detalhe os mecanismos que estão por detrás da transferência de ADN das bactérias de umas para as outras. Em termos técnicos foi bastante excitante, porque começámos a ver coisas que não tinham sido possíveis ver até esta altura. Estes mecanismos de transferência de ADN entre bactérias são conhecidos desde os anos 50 e estiveram na origem de alguns prémios nobéis nesta década”, explica Tiago Costa. “Sabia-se que este era um processo que acontecia entre bactérias, mas nunca se conseguiu visualizar com detalhe atómico.”
Este tipo de avanço tecnológico fez com que os investigadores conseguissem entender muito mais esses mecanismos. Neste momento, o objetivo principal é, segundo Tiago Costa, “bloquear esses processos. Agora que começamos a entender melhor, temos de desenhar novos compostos químicos que inviabilizem esses processos que ocorrem. Mas devo salientar que não é só desenhar uma droga que faça efeito. Antes disso tem de se entender tudo o que está por detrás desse processo, qual é a causa, quais são os determinantes químicos e biológicos para depois conseguirmos atuar, especificamente, naquele ponto.”
“Vamos ter sempre super bactérias e super resistentes que vão emergir”
Tiago Costa diz que devemos estar preparados com “armas” para quando as bactérias atacarem o nosso organismo, termos formas de as combater “e isto só se consegue fazendo o trabalho de casa antes que aconteça”, refere o académico. “A comunidade científica já se deu conta que isto é importantíssimo e, por isso, a Inglaterra já estabeleceu parcerias bilaterais com os Estados Unidos. Criou pacotes especiais de vários biliões de libras direcionados para este tipo de investigação.” Tiago Costa refere que “em muitos países os antibióticos não precisam de ser prescritos, ficando, mais facilmente, à disposição de todos. Desta forma, as bactérias ficam expostas a vários tipos de antibióticos e faz com que elas se consigam mutar, criando resistências. Elas têm uma taxa de desenvolvimento e de replicação muito alta e aprendem bastante rápido a adaptar-se a este tipo de ambiente a que estão expostas.”
Explica que as bactérias conseguem criar estratégias que fazem com que os antibióticos não consigam penetrar na bactéria e atuar. “Criam uma barreira e depois não conseguem encontrar o alvo para o qual o antibiótico está desenhado. São super inteligentes. Conseguem cortar o antibiótico e fazem com que ele fique inativo, ou seja, conseguem desenvolver vários tipos de estratégias para que deixe de ser eficaz. Sabemos que vamos ter sempre super bactérias e super resistentes que vão emergir, mas temos de estar preparados para as atacarmos com antecedência.”
Estudo permitiu chegar a outra conclusão: Descobriram a existência de um canal bastante resistente por onde é feita a transferência de ADN e que pode ser usado para nosso benefício
A equipa liderada por este senense tenta perceber como é que as bactérias transferem ADN de umas para as outras. “Não sabíamos que elas conseguiam formar um canal, que liga a bactéria dadora (a que tem toda a informação de resistência e que transfere ADN por esse canal), a uma célula recetora que não tem essas resistências. Então, o que elas fazem é passar essa resistência por esse canal para que as bactérias que a envolvem e que estão nesse espaço, também elas possam adquirir essa resistência. Elas criam uma rede tridimensional que inviabiliza o acesso dos antibióticos. O último estudo que fizemos foi tentar entender qual é que é a biomecânica desse canal, quanto de flexível e resistente ele é.”
O que viram é que essa estrutura que faz a ligação entre as duas bactérias “é algo bastante resistente. Não só resistente em termos térmicos, mas também em termos físicos, mecânicos e químicos. Consegue resistir a PH muito baixos e muito altos. Consegue resistir a temperaturas altas (acima de 100 ◦Cº) e consegue resistir a grandes forças. É muito robusta e muito flexível. Isto porque, para elas desenvolverem este mecanismo, quando há a transferência entre as células dadoras e recetoras, a estrutura tem estar protegida ao máximo para que não haja falhas nesse mecanismo de transporte. As bactérias desenvolveram esta superestrutura com capacidades únicas capazes de resistir nos ambientes mais extremos e, desta forma acelerar a transferência da resistência a antibióticos entre eles.”
O próximo passo que esta equipa se propõe a realizar é tentar desenhar químicos que consigam inibir o contacto da célula dadora para com a recetora, por essa estrutura. No fundo, “é cortar o cordão umbilical para evitar essa transferência de ADN.”
Este estudo permitiu chegar-se a outra conclusão e que foi algo bastante “excitante para nós”, refere o investigador senense. Descobriram que podem usar este tubo para o nosso próprio benefício. “Não há muitos biomateriais com esta capacidade de alta resistência térmica, química e mecânica. Estamos a tentar entender se é possível usarmos esses tubos, purificá-los, replicá-los e usá-los em certas aplicações biotecnológicas.” Ou seja, com esta descoberta poderão surgir novos biomateriais. “Podemos adicionar estes materiais a cremes de proteção contra feridas, por exemplo. É usar algo, que parecia impensável, para nosso próprio benefício, com um ângulo completamente diferente.”
Esta é, de facto, uma descoberta que abre novos horizontes e novas perspetivas para os investigadores.
Há que salientar que este é um trabalho que já vem a ser estudado há anos e por milhares de pessoas. “Há mais de 70 anos que conseguimos perceber que as bactérias transferem ADN. Olhando para trás, sabemos quando é que o antibiótico foi desenvolvido, posto no mercado, quando começou a ser utilizado e quando é que as primeiras resistências começaram a surgir. Por vezes isto é bastante assustador, porque, poucos anos depois, começaram a notar-se as primeiras resistências aos antibióticos.”
Esta é, com toda a certeza, uma corrida contra a evolução bacteriana e que, segundo Tiago Costa, “nunca vamos conseguir controlar. Vamos tentar desenvolver mais drogas para começarem a ser utilizadas e vamos tentar perceber quando é que as primeiras resistências poderão aparecer. Este é um desafio que nos propomos combater. Em parceria com a indústria farmacêutica, queremos criar novos compostos químicos que consigam desmantelar estas estruturas, de forma a inibir o processo de proliferação da resistência entre bactérias.”
De referir que este é um trabalho que demora muito tempo e que até chegar ao paciente, há muitos anos de ensaios clínicos.
E para que todo este processo siga e se concretize, Tiago Costa pretende ficar mais uns anos em Londres para desenvolver a parte farmacológica.